sexta-feira, 6 de maio de 2011

Nordeste - As nuances da formação da identidade de um povo - Parte 4


Saindo um pouco da análise que deve ser feita pelos historiadores dos nossos dias, adentremos nas concepções defendidas pelos historiadores Mattoso e Freyre, os quais possuem concepções semelhantes a esse respeito. Esse ponto comum é observado justamente na relação existente entre o homem e o espaço no qual ele habita. Eles obtiveram essa inspiração sobre essa relação inerente ao regionalismo a partir dos historiadores franceses, sobretudo no final do século XIX e começo do século XX.
Dentro dessa forma de se fazer a história regional e local que é defendida por Mattoso, torna-se imprescindível tecer uma crítica a respeito de um dos aspectos por ele defendidos. Para ele, o espaço regional é visto apenas como um cenário no qual se desenrolam determinados acontecimentos. Essa concepção é equivocada pelo fato do espaço também ser um acontecimento histórico quando levamos em consideração a sua construção. Isso ocorre por que esse mesmo espaço faz parte do contexto vivenciado pelas pessoas, tendo sido ele construído por elas próprias, como fica explicitado por Durval Muniz2:

“A identidade regional não é dada pelo espaço onde nasce, ela emerge de um trabalho de subjetivação, ela é a constituição de uma dada subjetividade através das relações sociais e da incorporação consciente ou não das narrativas que definem este ser regional”.

Essa construção do espaço perpassa por uma relação que é construída entre o homem e o próprio espaço geográfico e vem a calhar nas relações de pertencimento a uma determinada região, assunto já tratado anteriormente neste trabalho.
Ainda dentro da perspectiva de Mattoso, são apresentados alguns aspectos metodológicos que, segundo ele, devem ser observados na construção de uma história local ou regional. Dentre eles podemos fazer alguns destaques: a caracterização do espaço escolhido; a demografia e a análise das formas de consumo dos recursos encontrados. Bem, inegavelmente, estes são aspectos importantes, como a questão do espaço, já tratada aqui anteriormente. Entretanto, também se faz necessário que sejam levadas em consideração as particularidades dos locais em análise. Isso faz com que aspectos que são importantes para o estudo de uma determinada localidade não possuam o mesmo valor para outra. 
Ainda nesse aspecto de construção da história local ou regional, se faz necessário alertar para o fato de que as fontes encontradas pelo historiador nunca serão completamente fiéis, ou seja, não serão puras. Sempre haverá ideologias que perpassaram as fontes que estão sendo utilizadas pelo historiador, além da sua incompletude. Não se pode falar em dificuldade de fontes em relação à história do Nordeste, visto que estas podem ser encontradas de forma abundante, o que falta é a realização de estudos a esse respeito. 
Dentro dessa perspectiva dos estudos a respeito da região Nordeste, é necessário abordar a diferenciação entre a corrente histórico-estrutural, posterior a 1937 e aquela anterior a esta data, de cunho predominantemente literário. Nessa última corrente não havia interpretações científicas a respeito dos fatos narrados, mas se configurava como uma crônica histórica. Tal corrente se caracterizava por formar uma visão de Nordeste proveniente de autores que não eram nordestinos, salvo algumas exceções, com Gilberto Freyre. Havia críticas à obra Freyreana, visto que ela representava os interesses da oligarquia. Para o autor recifense, não havia mais as relações fixas entre senhores e trabalhadores após a queda do Nordeste açucareiro. Entretanto, a realidade que as publicações da época retratavam era outra: as formas de dominação entre senhores e escravos havia apenas tomado um revestimento diverso, permanecendo muito semelhante em sua essência. Houve desse modo, uma passagem de cunho mais formal do que efetiva do trabalho escravo ao assalariado.
Mesmo com todas as críticas que podem ser tecidas em relação a sua obra, não podemos negar a forte influência dessas ideias defendidas por Freyre, as quais refletiam inclusive na política, sendo que alguns desses políticos pediam, inclusive, a reforma das leis trabalhistas. Então, por qual motivo Freyre realizava as suas afirmações? Havia por parte dele um saudosismo que representava os interesses das classes oligárquicas do nordeste, as quais tiveram o seu auge enquanto o nordeste era o eixo econômico do Brasil. A questão da idealização do nordeste com essas relações patriarcais. Na verdade, houve uma continuidade da dominação pela mesma elite, mas agora com outro formato.
Na verdade, e explicando o termo “predominantemente” que fora anteriormente utilizado, essas obras literárias também se propunham a realizar uma análise “científica” a respeito da formação do Nordeste, sobretudo em relação à demografia e às análises territoriais. Exemplo é a obra literária “Os Sertões”, do autor fluminense Euclides da Cunha. O autor buscava com a sua obra realizar uma obra de cunho jornalístico, ao relatar a guerra de Canudos e ao mesmo tempo descrever o nordeste a partir de uma visão externa ao mesmo. A partir do que acabou de ser exposto, é possível concluir que essa corrente teve um cunho predominantemente empírico.
A publicação do livro “outro nordeste”, de Djacyr Menezes, foi um marco que representou a passagem da corrente empírica para a histórico-estrutural a respeito da historiografia do Nordeste, no ano de 1937.

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